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segunda-feira, 23 de junho de 2008

DE VOLTA AO CAMPO DE CENTEIO

Coisa engraçada a terra de nossa infância! Por mais que nos distanciemos, por mais que viajemos o mundo e conheçamos lugares fabulosos, jamais esquecemos dela. É o caso do meu antigo campo de centeio, um cantinho escondido de Cotiporã, uma destas bucólicas cidadezinhas do interior. Sim, é lá que me refugio quando cansado, para recarregar as baterias, como gosto de dizer.
Mas, apesar da saudade que entra pela janela, não é sobre minha terra que desejo escrever agora. Ou, pelo menos, não dela propriamente dita, que o problema maior nestas artes de escrever é que lembrança puxa lembrança; e a saudade é um veneno para a folha branca. É sobre idéias antigas que pretendo dissertar, a maioria delas, creio, mortas e enterradas por aqueles prados.
Quando eu era mais novo, piazote ainda, acreditava que o trovão é que matava e provocava estragos. Sim, eu acreditava em muita coisa. E foi por essa época, de inocência, se é que um dia inocente fui, que brotaram alguns sonhos. A época de Salinger e seu livro “O Apanhador no Campo de Centeio”, com um estranhamento do mundo e ideais camuflados, que fizeram nascer em mim uma vontade de mudar o mundo. O mundo não, só o meu cantinho, que o mundo era grande demais para mim.
O fato, porém, é que nunca consegui mudar minha terra. Para ser sincero, nunca consegui mudar nada à minha volta. Nada, a não ser a mim mesmo. E foram dias difíceis aqueles, pois fui o que todos fomos na juventude, revoltados, incompreendidos, nos achando melhores do que os adultos, porque ainda não éramos tão ridículos. E eu era diferente, pois não sentia entusiasmo onde outros vegetavam cada fibra de seus seres. Entristecia-me a banalidade humana e o fato de estarmos caminhando rumo a um abismo, sem ao menos nos darmos conta. O fato de estar deixando o território mágico da infância e me lançando na vida adulta, onde nunca mais seria feliz. Essas coisas me preocupavam deveras...
Mas, como tudo que começa um dia acaba, desvaneceu também meu mundo utópico. Tudo são fases, dizia o poeta. Hoje, só lá de vez em quando lembro do antigo refrão: “Por Sim, hoje sou homem, e aprendi que o que mata mesmo é o raio. Que o trovão nada tem a ver com os estragos e, se tem, é uma relação distante, apenas sensacionalismo. O que eu entendia por “pacto de mediocridade” é um mal necessário e chorar pelo sofrimento alheio pode não ser hipocrisia, mas nada resolve.
Entretanto, às vezes, “ah que saudades eu tenho da aurora de minha vida...” Quem dera neste mundão que finjo ser meu houvesse ainda um cantinho onde eu pudesse lembrar e ser. O velho campo de centeio à beira do precipício, onde eu pudesse outra vez salvar o mundo e as crianças e a mim mesmo.
Ora, ora, vejam as tolices que torno a dizer! Parece que começo a acreditar em trovões novamente. Parece que Holden, o anti-herói do livro, renasce das cinzas, sussurrando outra vez em meu ouvido a iminente coisificação do humano. E as pessoas ao redor apenas me olham e sorriem, de pena ou coisa parecida.
Coisa muito engraçada a terra de nossa infância. Por mais que nos distanciemos, nunca esquecemos dela. Nem dos sonhos realmente legítimos.
(Texto publicado no Jornal Gazeta de Caxias em 21/06/2008)

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