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segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Demasiado Humano II

Meu segundo livro, Cela de Papel, vem causando polêmica entre leitores da região, tendo sido tema de minha última coluna, quando foi violentamente atacado por um cidadão. Recebi dezenas de e-mails e ligações, além de mensagens no site do jornal. Para minha surpresa, mais de 90% dos comentários foram a favor do autor e da obra. A título de curiosidade, este livro ficou entre os mais vendidos da Feira do Livro de Caxias do Sul – 2006 e já se encaminha para a 3ª edição. É uma fantasiosa alegoria sobre a arte da leitura, num texto implicitamente autobiográfico.
A obra narra a vida de um personagem inominado, neto de imigrantes italianos, abandonado pelos pais. Em 14 textos curtos, que interligados formam um gênero próximo à novela literária, exponho a solidão do protagonista e o despreparo da sociedade em acolher os introspectivos. Mistura de recordações, histórias que ouve dos avós e devaneios baseados em leituras que fez, ficção e realidade mesclam-se o tempo todo, dando ao livro um aspecto onírico. O romance dos antepassados em terras italianas, numa alusão aos amantes de Verona, o descaso dos pais, ambos com problemas psicológicos e o agudo deslocamento social do narrador, são o fio de Ariadne da obra. Sim, pois como o labirinto mitológico, Cela de Papel possui trechos sem saída e passagens enganosas.
O verdadeiro tema, porém, não é a história do personagem, mas algo mais vasto e humano: a fantasia. Esta é, como a contradição em minha coluna anterior, demasiadamente humana. A ficção não é a realidade, mas uma outra verdade inventada com elementos reais. Sem ela, a própria realidade torna-se menor. Esta vem para enriquecer a vida das pessoas, lançando mão das pequenas experiências do cotidiano como matéria-prima. E, como no caso do livro, às vezes ela nos salva da pequenez, do tédio e até da solidão.
Fragmentada, não-linear e fora do convencional, a obra mal possui uma narrativa propriamente dita. Histórias vão sendo ouvidas e lidas até a convergente confusão do narrador-personagem, que dá um final surpreendente à sua própria epopéia.
Um texto diferente, reconheço, carregado de ambiguidades e pontuações distintas, além de uma estrutura nada usual que, dependendo do leitor, pode realmente causar desconforto. Uma experimentação de estilo, um exercício literário, que pode ser uma recuperação da narrativa intimista, tão olvidada ultimamente. Talvez seja isso que incomode alguns: o medo do silêncio e de olhar para dentro.

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