Páginas

domingo, 28 de março de 2010

Da Escrita

     Meus três primeiros livros - "O Sino do Campanário", "Cela de Papel" e "Do Útero do Mundo" nasceram sob o império do acaso. Alheio a minha intenção, confesso que se construíram sozinhos. Não que eu não os desejasse. Muito antes pelo contrário, sempre sonhei em escrevê-los. É que, no caso dessas obras, atraído pelo prazer momentâneo de criar personagens e mundos -- uma historinha aqui, outra ali -- de repente me dou de cara com elas. E. E. Cummings observa acerca de um de seus livros: “Quando este livro se escreveu...” Como se o livro já estivesse escrito em regiões muito distantes da consciência, emergindo repentinamente de seu esconderijo. Talvez seja isso mesmo.
     Por isso a gravidez me interessa; porque escrever é como parir um filho. Um descuidinho e nos tornamos pais, ou escritores.
     Diz uma antiga lenda que a Virgem Maria foi engravidada pelo ouvido. Que linda metáfora para sugerir as relações eróticas entre a carne e a escrita. Mas não é precisamente nisso que consiste a arte de escrever, em produzir palavras que engravidam? A palavra é masculina: a fala se projeta como falus, eleva-se e penetra, a fim de dar prazer e engravidar. O ouvir é feminino. O ouvido é um vazio, concha, um convite à palavra que lhe trará prazer e vida.
     E esta arte é construída a partir de um fragmento sumamente perigoso – o Verbo. Sim, quem não ouviu dizer que no princípio era o Verbo? O Verbo então se fez carne: o corpo é a escrita encarnada.
     Dizem também que palavras são como flechas: uma vez disparadas é impossível recuperá-las. E elas machucam. Doem. Palavras tanto podem ser cutelos como bálsamos; só é preciso conhecer sua alquimia, suas combinações. Eis meu grande desafio, descobrir todas as suas nuanças e mistérios. Nestes três livros seguem minhas primeiras experiências como escritor-alquimista.
     Mas não pense o leitor que esta é uma tarefa fácil. Nikos Kazantzakis conhecia bem esta dificuldade. Tanto que disse: “... as letras do alfabeto me aterrorizam. Elas são demônios astutos e desavergonhados – e perigosos! Você abre o tinteiro e as solta: elas correm – e você não mais conseguirá trazê-las de novo para seu controle! Elas ficam vivas, juntam-se, separam-se, ignoram suas ordens, arranjam-se a seu bel-prazer no papel – pretas, com rabos e chifres. Você grita e implora: tudo em vão. Elas fazem o que querem...”
     Todo escritor é um pouco anarquista. Por isso meus escritos não consolam nem oferecem respostas. Não tenho vocação para escritor de auto- ajuda. Meus escritos, pelo contrário, tem a função única de instigar, questionar, mostrar a realidade como ela é, através da ficção, sem enfeites ou demagogias. Que cada um se resolva, depois, com suas eventuais feridas.
     A verdade, porém, é que pouco importa o que digo e escrevo. O que importa são as palavras que se dizem, vindas das funduras de quem lê. É o leitor quem dará ou não vida a estas letras mortas. Depois de ressuscitadas sim é que elas podem mudar mundos.

Nenhum comentário: