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quinta-feira, 14 de abril de 2011

Entrevista concedida ao Jornal Gazeta Veranense

- Que desafio é esse de tentar colocar o Amor em palavras, escrever sobre um dos temas mais batidos, mais filosofados e mesmo assim inesgotado?

 
Já foi dito que não há nada de novo debaixo do sol. Todos os temas humanos já foram tratados na literatura, desde Shakespeare e até mesmo antes dele. O que se pode (e deve) fazer na arte, é encontrar um novo viés, uma forma original de tratar o velho, dando-lhe um aspecto inusitado. A experiência humana é um tema inesgotável e a nossa criatividade também. Acredito que tratei de um assunto de interesse de todos sob um aspecto totalmente novo. Não há quem não se reconheça nessas histórias, assim como não há quem não se espante com elas.

- Você diz no seu blog que "pensar incomoda". Pela sinopse, o seu novo livro fala da vida do homem contemporâneo, inundado de notícias e situações fragmentadas. Está faltando reflexão e contextualização ao tempo que estamos vivendo?

 
Vivemos na era da informação e da comunicação, mas não do conhecimento. Tudo está muito fácil, muito pronto. As pessoas têm preguiça de buscar, de pensar por si. Pegar as coisas prontas não caracteriza conhecimento. Um livro que exige um pouquinho mais do leitor é descartado imediatamente. Schopenhauer dizia que o tempo de reflexão sobre um livro deve ser maior que o tempo de sua leitura. Quem faz isso hoje? Empilhamos informação sobre informação, tudo descartável.

- Você tem uma certa facilidade em transitar pelos diversos gêneros: poesia, novela, contos. Tem preferência por algum deles?

 
Amo poesia. Ela me deu a base para toda a minha construção estilística. Minha coletânea de poemas "Do Útero do Mundo" é um livro premiado, já está na segunda edição, coisa rara em se tratando do gênero. Mas não sei se publicarei outra obra em versos. Gosto muito do conto e tenho projeto para um romance.

- Apesar de ser praticamente óbvio, você deve ler muito. Mas, a fonte de inspiração vem do seu cotidiano, da observação, como é o seu processo criativo?

 
Sou indisciplinado para escrever ficção. Às vezes fico anos sem rabiscar uma linha. Quanto à leitura, porém, não descuido um dia sequer. Sou um leitor compulsivo e reflexivo. Leio de tudo, o tempo todo. Meu processo criativo é baseado em três fontes: as experiências vividas, as leituras que faço e a imaginação. Este novo livro "Contos de Amores Vãos", por exemplo, tem muita coisa que ouvi de terceiros. As pessoas, ao saberem que eu estava escrevendo sobre amores malogrados, vinham me contar suas histórias, muitas delas maravilhosas. E muitas estão no livro.

 
- Como é sair de Cotiporã e conquistar prêmios nacionais e internacionais? Nossas cidades são pequenas, mas o mundo sem fronteiras de hoje possibilita que bons trabalhos e bons profissionais ganhem reconhecimento...

 
Na verdade eu acho que só me tornei escritor por ter me criado em uma cidade pequena. Ali eu aprendi a reflexão e a contemplação. Ali ainda há tempo para isso. Talvez eu fosse diferente se tivesse nascido e me criado em Caxias. Hoje temos acesso a tudo, em qualquer parte do globo, mas não é isso que faz um pensador, um escritor ou um filósofo. É a sua maneira de olhar o mundo, é a sua capacidade de se compenetrar e reinventar. Jesus veio de Nazaré, Saramago de Azinhaga, cidadezinhas minúsculas. Tanto o Filho de Deus como o ateu recriaram uma linguagem, uma ideia e um mundo. A tua aldeia te dá o poder universal.

 
- Com que frequência costuma visitar Cotiporã? Quais são as melhores lembranças que tem da cidade? Com que idade você chegou e deixou Cotiporã?

 
Meus pais ainda moram lá, então vou à Cotiporã mais ou menos uma vez por mês. Já fui mais, mas ultimamente tenho trabalhado muito, viajado muito. Cheguei em Cotiporã com 8 anos de idade e saí com 22. Minhas melhores lembranças são dessa terra: o tempo de escola, os amigos, o futebol que eu adorava, as namoradas (minha esposa, Cláudia, é de Cotiporã). Enfim, minha memória afetiva está intimamente ligada a esse lugar pequeno e bonito.

 
- É possível descrever o prazer de retornar à terra natal? Mesmo que você tenha nascido em Bento Gonçalves... hehe

Eu me considero cotiporanense. A letra do Hino Municipal de Cotiporã é de minha autoria. Ali eu canto todo o meu amor, respeito e gratidão à essa terra. Fora isso, em meu livro mais conhecido "O Sino do Campanário", consta uma narrativa em que falo da cidade, com saudosismo. Chama-se "De volta ao campo de centeio". Cotiporã me inspira, adoro estar lá. Sempre que posso dou uma fugida, para recarregar as baterias, como gosto de dizer.

 
- O filme "O Sino do Campanário" é um dos maiores orgulhos da sua carreira?

Sim e não. Sim, pois tornou meu livro e meu nome conhecido em todo o estado e fora dele. Foi exibido em diversos países e visto por milhares de pessoas. Não, pois acho que ele não corresponde à beleza do texto. Muitos me disseram que o conto é infinitamente melhor que o filme, e eu também acredito nisso. A relação que tenho com essa adaptação cinematográfica hoje é de amor e ódio. Mas isso é comum entre autores. Pozenato me disse certa vez que sente o mesmo em relação ao Quatrilho. Mas enfim, teve seu valor, divulgou a cidade de Cotiporã, basta ver o número de filmes que foram rodados lá depois do Sino.

- Você vive exclusivamente da literatura ou precisa complementar com outras atividades?

Vivo exclusivamente da literatura, pois trabalho com isso em tempo integral. Mas não vivo só da venda dos meus livros. Escrevo para jornais e revistas, apresento programas de TV onde entrevisto escritores, realizo debates, palestras, oficinas literárias, coordeno Rodas de Leitura e alguns outros projetos da Biblioteca Pública de Caxias do Sul. Faço o que gosto, por isso estou realizado.