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domingo, 31 de julho de 2011

Da Escrita


Meus três primeiros livros - "O Sino do Campanário", "Cela de Papel" e "Do Útero do Mundo"   nasceram sob o império do acaso. Alheio a minha intenção, confesso que se construíram sozinhos. Não que eu não os desejasse. Muito antes pelo contrário, sempre sonhei em escrevê-los. É que, no caso dessas obras, atraído pelo prazer momentâneo de criar personagens e mundos -- uma historinha aqui, outra ali -- de repente me dou de cara com elas. E. E. Cummings observa acerca de um de seus livros: “Quando este livro se escreveu...” Como se o livro já estivesse escrito em regiões muito distantes da consciência, emergindo repentinamente de seu esconderijo. Talvez seja isso mesmo.
Por isso a gravidez me interessa; porque escrever é como parir um filho. Um descuidinho e nos tornamos pais, ou escritores.
Diz uma antiga lenda que a Virgem Maria foi engravidada pelo ouvido. Que linda metáfora para sugerir as relações eróticas entre a carne e a escrita. Mas não é precisamente nisso que consiste a arte de escrever, em produzir palavras que engravidam? A palavra é masculina: a fala se projeta como falus, eleva-se e penetra, a fim de dar prazer e engravidar. O ouvir é feminino. O ouvido é um vazio, concha, um convite à palavra que lhe trará prazer e vida.
E esta arte é construída a partir de um fragmento sumamente perigoso – o Verbo. Sim, quem não ouviu dizer que no princípio era o Verbo? O Verbo então se fez carne: o corpo é a escrita encarnada.
Dizem também que palavras são como flechas: uma vez disparadas é impossível recuperá-las. E elas machucam. Doem. Palavras tanto podem ser cutelos como bálsamos; só é preciso conhecer sua alquimia, suas combinações. Eis meu grande desafio, descobrir todas as suas nuanças e mistérios. Nestes três livros seguem minhas primeiras experiências como escritor-alquimista.
Mas não pense o leitor que esta é uma tarefa fácil. Nikos Kazantzakis conhecia bem esta dificuldade. Tanto que disse: “... as letras do alfabeto me aterrorizam. Elas são demônios astutos e desavergonhados – e perigosos! Você abre o tinteiro e as solta: elas correm – e você não mais conseguirá trazê-las de novo para seu controle! Elas ficam vivas, juntam-se, separam-se, ignoram suas ordens, arranjam-se a seu bel-prazer no papel – pretas, com rabos e chifres. Você grita e implora: tudo em vão. Elas fazem o que querem...”
Todo escritor é um pouco anarquista. Por isso meus escritos não consolam nem oferecem respostas. Não tenho vocação para escritor de auto- ajuda. Meus escritos, pelo contrário, tem a função única de instigar, questionar, mostrar a realidade como ela é, através da ficção, sem enfeites ou demagogias. Que cada um se resolva, depois, com suas eventuais feridas.
A verdade, porém, é que pouco importa o que digo e escrevo. O que importa são as palavras que se dizem, vindas das funduras de quem lê. É o leitor quem dará ou não vida a estas letras mortas. Depois de ressuscitadas sim é que elas podem mudar mundos.


2 comentários:

Eduardo Borile Jr disse...

Descreves tão bem a si, quanto os contos em que os personagens mascarados encantam nossa imaginação.

Quem, ao ler UIli Bergamin, não lembrou de uma situação que viveu?

Baita escritor, baita poeta, baita pessoa, BAITA ser humano!
EDUARDO BORILE JUNIOR

Uili disse...

Os amigos são sempre suspeitos, principalmente os novos.
Mas fico feliz com tuas palavras, caro Eduardo.
Grande abraço.