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segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Eu: Romeu e Julieta

Por Suélen Cristina Bastian - estudante de jornalismo

O livro "Cela de Papel" literalmente é o título perfeito para a obra de Uili Bergamin, porque torna o leitor refém das páginas das narrativas reais e irreais da ilusão frenética e imaginativa do autor. Os escritos são magníficos, de muita qualidade, um conteúdo que possui uma perspectiva sob o mesmo olhar, contudo com uma nova ótica, que dá um tratamento particular no confronto de pensamentos.
Os textos manifestam ao longo do enredo contrapontos subjetivos que acoplam a filosofia ficcional. Eu diria que toda história ou fato pode dar uma boa narrativa. Tudo depende de como e quem vai contá-la, e no conteúdo de "Cela de Papel" o escritor caxiense consegue desenvolver um perfeito modo de compartilhar suas fantasias apimentadas com as agonias da realidade, utilizando a intertextualidade que abrange a famosa obra de William Shakespeare, Romeu e Julieta.
Uili salienta no desenrolar de seus pensamentos impressos o redigido: "[...] o mais espetacular de ler aqueles livros era reconhecer-me nas personagens." Essa declaração trata-se de um infindável diálogo filosófico em torno de uma personagem, ou seja, o protagonista EU que envolve outras figuras para falar de si mesmo. Todo ser humano procura o real sentido da existência, e essa abordagem é o retrato do que somos. É construído um questionamento moral e imoral do que pode e não pode, ou bem e mal, algo nesse sentido.
Já dizia o físico Albert Einstein: Tudo é ilusão, até mesmo o tempo, porque ele não existe de fato." Mas somos escravizados por ele e até mesmo o próprio escrito traz uma citação de ligação: "Somos todos mortos pelo relógio. Sempre." Os textos de Uili vão além, transpassam o papel e criam um significado simbólico e vivo da nossa própria imagem, pois quebram a quarta parede e cada leitor terá sua interpretação e experiência por intermédio do discurso alusivo ao ser. Este é composto de agonias, desejos, defeitos e qualidades e faz menção talvez de forma inconsciente de um registro da sociedade contemporânea, aprumada de irracionalidade e vive de ilusão em ilusão. Exemplo: sempre fazemos as mesmas coisas, mas agimos como se cada dia fosse diferente. Não que não seja, contudo vivemos em um círculo vicioso de fidelidade. A diferença é que nos mudamos em relação ao outro dia, portanto ainda assim, fazemos as mesmas coisas.
Possivelmente os anseios da humanidade procuram por intensidade, de um contexto de significado pessoal, e após isso desdobram em fantasias que se alimentam de nossos desejos acomodados, mas associados a personalidade de cada indivíduo.
O livro "Cela de Papel" se apropria de forma coerente das personagens intituladas Romeu e Julieta e no mesmo contexto fala da alma do autor, e de nós mesmos, leitores, aprofundando-se na lacuna existencial onde prevalecem as questões morais e nossas dúvidas filosóficas. Podemos encontrar no capítulo "Duas colheres de ilusão" essa expressão, "Eu, Romeu e Julieta", que deixa claro que pode se tratar mais de Uili do que de Romeu e Julieta. Na verdade, as personagens são plataformas para falar da sua própria vida. Aquela coisa de fingir que é outra pessoa para fazer tudo que é reprimido pela reputação social do jogo das imagens. Isso acontece muito em filmes, novelas e teatro e na também na literatura. É uma maneira sutil de poder gritar ou somente desabafar o que está além da aparência, que é nossa alma.
Vou arriscar usar essa citação de Ferreira Gullar, para mencionar minha visão a respeito destas belas escrituras de Bergamin: "Naturalmente, esse mundo outro que o artista cria ou inventa nasce de sua cultura, de sua experiência de vida, das ideias que ele tem na cabeça, enfim, de sua visão de mundo."
Acho interessante, mas não estou totalmente de acordo, quando o texto é redimensionado à tratar a questão de Deus e o diabo, pois parece que o diabo tem mais vez do que Deus no discurso. No entanto, é intrigante (no bom sentido), porque na verdade é mais fácil pecar que santificar. Não estou entrando na base do assunto religioso, trata-se de uma metáfora de que é mais fácil ir contra as regras do que obedecê-las.
Falar do escrito "Cela de Papel" é muita responsabilidade, porque além de uma obra literária de alta classe estarei indiretamente falando da alma do escritor, que também é de alta qualidade. Portanto, reforço: é uma leitura um tanto elitizada, muito bem escrita e cheia de links e portas para uma reflexão dos nossos próprios pensamentos. Também é um convite para o mundo da imaginação. Recomendo a leitura. Entre nessa aventura de "Cela de Papel" e seja capturado do início ao fim nesta viagem ao mundo bergamiano.


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