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quinta-feira, 16 de julho de 2009

Os poetas ainda morrem cedo

Sempre soube que trabalhar na Biblioteca Pública seria um excelente laboratório, já que sou escritor. Lidar com os livros e as pessoas, duas das principais matérias-primas de um criador, é um acréscimo e tanto na bagagem de qualquer um. Eu não estava enganado. As delicadezas e as asperezas do público, os gostos literários de cada um, os projetos em andamento, o programa de TV que passo a apresentar, “Café com Letras”, via TV Câmara Caxias, entrevistando escritores e leitores, tudo isso é um plus em meu currículo. O próprio convívio com os colegas de trabalho, em geral mais experientes, tem me ensinado muito.
E é daí que vem o título desta crônica. Dia desses, uma de nossas funcionárias mais antigas, num bate-papo sobre a morte prematura dos poetas românticos, saiu com essa: “Os poetas não morrem mais tão cedo, nem de amor, nem de tuberculose”. Então brinquei: “Que belo título para uma crônica. Quando escrevê-la, dedicarei a você”. Aqui está ela, ou mais ou menos o que era para ser.
O inusitado, porém, veio no dia seguinte. Certa moça apareceu para retirar um livro e por acaso quem estava na seção era eu. Ela, bem apessoada e aparentemente culta, pediu por um livro específico. Sabia o título, mas não sabia achá-lo. Fui até a estante e o encontrei, feliz da vida por se tratar de um poeta de nossa cidade. Não vou citar o livro nem o autor, para não desgostá-lo. Ao estender o livro à ela, eu, com um sorriso, disse: “Que ótimo que você lê poesia, e ainda mais de um poeta caxiense”.
A euforia no rosto dela desapareceu imediatamente. “Poeta caxiense?”, disse. “Eu não sabia”. Pegou o livro, deu uma olhada na capa, na contracapa, nas orelhas e concluiu: “Pensando bem, acho que vou levar um da Nora Roberts”, e deixou nosso vate sobre a mesa.
Na mesma hora lembrei das palavras da minha colega. Sim, minha cara, os poetas ainda morrem cedo. Alguns nem chegam a nascer direito. E morrem de indiferença, de desprezo, de rejeição. E não apenas os poetas, mas os contistas, romancistas, cronistas, atores e etc. Há um preconceito que precisa acabar. Há um descrédito, uma espécie de desconfiança antecipada pelos criadores da nossa terra. Como se daqui fosse impossível sair grande coisa.
Quanto àquela moça, confesso que num primeiro momento fiquei indignado. Mas depois percebi que a mentalidade dela é a mentalidade da maioria das pessoas. Ela apenas explicitou, sem querer.
Quanto a minha colega, tanto ela como eu, que concordei com sua frase de efeito, estávamos enganados.
Quanto ao poeta caxiense, sinto muito, eu tentei.

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