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quarta-feira, 28 de março de 2012

Sísifo do Campanário

          Lançado em 2005, quando o escritor contava com apenas vinte e poucos anos de idade, esta coletânea de contos fez o improvável, desde o início. Primeiro que livros de narrativas curtas geralmente não são bem aceitos, ainda mais de autores locais. Segundo que Uili era um completo desconhecido. E terceiro, que nem autor, editor e nem ninguém depositava muita esperança no projeto. Contra tudo e contra todos, “O Sino do Campanário” tornou-se o livro de ficção mais vendido da Feira do Livro de Caxias do Sul daquele ano, sendo adaptado para o cinema no ano seguinte, adotado por diversas escolas e esgotando rapidamente as primeiras edições.
          O filme foi exibido em diversas cidades e em canais de TV, ajudando, claro, a projetar o livro. Mas o texto se sustenta, com profundidade e estilo, algo incomum para um rapaz de pouca idade.

          No conto que nomeia o livro, Uili Bergamin junta os extremos entre os quais o personagem é macerado, enquanto transita de uma margem a outra de realidades vividas. Juventude e velhice, vocação e desejo, sacro e profano, espírito e corpo, alternam-se nas suas lembranças. Sabe-se infiel; para todos os efeitos, um falsário.
          Assim, na manhã santa de uma sexta-feira, em meio aos repetitivos afazeres, o velho religioso se olha, mais uma vez, no lustríssimo cálice do altar do sacrifício, e o que vê é uma excrescência humana.
          Sísifo do campanário a recomeçar sempre as mesmas coisas, têm consciência dos castigo que amealhou ao trair o amor do jovem que foi. De forma dolorosa, sente-se jogado em uma descida até a origem de tudo, até o fundo de si mesmo, não para alçar a pedra “sisífica”, mas trazer à luz o mistério (incompreendido) da encarnação.
          Mais uma vez agarra a corda, perfeita, e enquanto bate o velho sino, percebe a falta de sentido em tudo o que viveu nos últimos quarenta anos. A hora seria de o velho homem dar lugar a um novo, capaz de conviver com a liberdade.
          O “nada” o ataca com o sentimento da mortalidade, com a percepção do fim próximo. Da queda, volta de mãos vazias; não há solução para o ser, pois o tempo transcorreu e o seu passado é uma galeria de dor.
          Puxa mais e mais forte a corda, ciente de ser juiz, algoz e vítima simultaneamente. Reflete seu pecado e, furiosamente, bate o já rachado sino para a remissão de Eros, enlace entre céu e terra.

Maria Helena Brambila
Professora

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